A crise também é moral e ética

    Existe uma perspectiva posta em questão pela esquerda marxista de que o problema do capitalismo é essencialmente econômico e ideológico, mas eu não acredito nisso. Eu acho que o problema também é ético e moral e acredito que até Marx já pensava dessa maneira, senão, nunca teria dito que mais valia é exploração.

    Acho que um dos maiores exemplos da crise moral e ética da infecção capitalista na experiência de vida humana se demonstra na degradação da filosofia como conhecimento emancipatório para commodity. No meu estudo de dissertação tive que ler bastante sobre o papel da comunicação e da informação na era das comunidades digitais, e uma coisa que começou a martelar na minha cabeça é como que a quantidade de informação que a gente consome hoje em dia é praticamente vendida como distração antes que modo culturação, educação, e nem se falar de emancipação. O maior exemplo disso, fora dos comunistas de internet, é o "filosofo mais perigoso" do oeste: Slavoj Zizek.

    O trash racoon Slavoj Zizek, por muito tempo foi levado como um pensador periférico pós-guerra fria e uma piada na internet, hoje em dia ele é reconhecido no mundo inteiro como um pensador ocidental de renome, ainda que muitas vezes seja tratado mais como um comediante standup com ideias interessantes do que um verdadeiro acadêmico, ou em outras palavras, um bom sofista para mídias e editoras liberais como Big Think (que tem conexões com a infame família Koch) ou Vice (hoje propriedade da empresa de Soros) que financiam sua aparência para as "massas ignorantes". Eu sinceramente, não acredito que o Zizek conscientemente defenda o projeto liberal que tolera e promove as ideias do filósofo, mas acho que ele, quiçá conscientemente saiba que é usado como mais um ator do grande espetáculo mirabolante do capitalismo e utilize o palanque para seus próprios interesses, que não necessariamente são revolucionários (e nem pretendem ser). 

    Agora, outra das coisas que eu vejo é esse ressurgimento da esquerda marxista na internet, pelo menos desde o começo dessa década. Não precisa pensar muito pra perceber que todos esses criadores de conteúdo digital em canais e grupos como o "The Deprogram" (JT, Hakim e Yugopnik), e até o saudoso "Badmouse" ou alguns nacionais do meteórico coletivo da "Soberana" (História Pública, Historia Cabeluda, etc) pra falar dos mais evidentes; todos eles, mesmo que não querendo, acabam virando apenas uma parte mais do espetáculo, como diria Debord, mesmo que não sejam financiados por alguma família de bilionários.

    A verdade que os comunistas não querem assumir é que o capitalismo deu certo, e deu certo demais, tanto que muitos deles (os mais populares), vivem da renda produzida, ironicamente, pela propaganda revolucionária que tanto colocam em pauta, sem efetivamente conseguir criar ou promover uma organização de vanguarda comunista. Primeiro porque não é de intenção deles fazer isso, já que assumem o papel de "mídia alternativa" direcionando as pessoas a partidos, as vezes, de organização questionável, como o PCB, DSA, CPUSA (notem que não mencionei outros, que poderia mencionar, porque acredito que sua organização é evidentemente de caráter mais popular). Em segundo lugar, porque os ganhos da renda coletiva de todo o movimento não seriam suficientes para isso. Mas, me parece que também existe um terceiro problema: o conteúdo produzido por eles, é seu meio de subsistência.

    O que eles fazem é um teatro e vivem disso, porque se não vivessem disso, estariam vivendo de algo diferente que não fosse produzir conteúdo e vender bugigangas, é dizer, trabalhando num MCDonalds, ou sei lá, fazendo arte, ao invés de estar "educando" na internet. Mas todo mundo sabe que um teatro autocontido, como o espetáculo, não serve função emancipatória, senão, não seria espetáculo. O problema do teatro é que ele é consumido, e não é incorporado como ferramenta emancipatória. E, sinceramente eu não saberia dizer que impacto prático o surgimento de essa esquerda do Youtube tem no movimento comunista.

    Parando pra pensar dessa forma, é engraçado como o espantalho mais ridículo da direita pode ter um pingo de verdade aqui: o "esquerdista de iPhone". Não porque o esquerdista não possa comprar o fruto do seu próprio trabalho, mas porque ao fazê-lo, ele reafirma o espetáculo e a cultura consumista e fetichista do capitalismo.

É muito difícil falar sobre as contradições do capitalismo sem entrar nela um mesmo. 

     Pensando dessa maneira, eu posso criticar o quanto eu quiser a esquerda, a direita e qualquer lugar do espectro ideológico, mas no fim, esse próprio texto que estou escrevendo vai acabar sendo uma autocrítica a mim mesmo e a todas essas críticas expostas aqui, já que, se bem eu não ganho nada escrevendo isso (além de aliviar minha raiva), a informação transmitida aqui é, quase automaticamente, dissolvida no discurso popular virando nada mais do que uma "distração". Muito apesar que alguns indivíduos leiam isso de maneira consciente, assim como eu assisto o conteúdo desses criadores de conteúdo.

    Eu acho que é preciso assumir que a sociedade capitalista deu certo ao reprimir qualquer surgimento de fenômeno anti-establishment  (de verdade, e não essa "nova" direita conturbada) ao tirar milhões da pobreza e lobotomizar as massas do ocidente e do mundo em desenvolvimento com o espetáculo tecnológico que torra nossos neurônios todos os dias. Acho que para superar as contradições do capitalismo e do espetáculo, é antes necessário assumir que vai ser preciso destruir a ilusão hedonista, consumista e anestésica que é (re)criada e coagida no nosso modo de vida pelo capital e suas estruturas, que eu acho, são cada vez mais sólidas. 

    Nunca antes acreditei que estaria concordando com Posadas em alguma coisa, mas talvez seja necessário assumir que o grande problema do fim do capitalismo seja, na verdade, ético e moral.  Não se pode esperar que uma esquerda "comunista" que vive pelo bel prazer de produzir conteúdo e entretenimento e simule a estética soviética e cubana, tal como cosplayers, tenha algo a oferecer para uma mudança do status quo. O materialismo histórico dialético nos ensina que as estruturas (infra e supra) estão baseadas nos sistemas econômicos, sendo assim, a única forma hipotética dos "comunistas" conseguirem acabar com o espetáculo (para criar o seu próprio), seria realmente dinamitando a base que sustenta o teatro capitalista. Seja esperando os alienígenas, ou não. Agora, encontrar a maneira de fazer isso de forma organizada é algo que esses comunistas tem de resolver magicamente se realmente querem mudar a sociedade, porque pelo que eu vejo não acho que vão fazer mudança em nada, além dos próprios bolsos.

    Mas bem, sempre da pra fazer o que já estão fazendo: esperar a tão sonhada crise econômica que vai levar milhões a pobreza e a se rebelarem, enquanto falam mal do capitalismo na internet e nas academias.






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