Você confia no que vê?

   
    Todos os dias eu penso no sentido da vida, do ser e do viver. Ou, pelo menos nos últimos dias é que eu tenho pensado (na verdade... pode até ser algo que se repete constantemente ao longo dos meses). Enfim, o ponto é que essas crises existenciais nunca me levam a nada além de um leve mal-estar por alguns dias o que faz eu voltar a ponto de largada de novo de que "se não há sentido, a boa virtude é o caminho". É uma conclusão bastante óbvia, se tu é uma pessoa com o mínimo de ética e não é um psicopata.
 
    Agora bem, eu tive escrevendo, de forma mais privada, sobre como aplicar a fenomenologia de forma epistemológica para entender o mundo e isso me fez pensar novamente sobre a origem dos sentidos e dos fatos. Quero dizer, geralmente existem algumas perspectivas teóricas e ideológicas sobre a noção de "sentido", isto é,  o existencialismo (que vê a existência a partir da lente da experiência), o niilismo (que vê a existência a partir da lente da (i)moralidade) e o absurdismo (que vê a existência a partir da lente do choque), claro, entre outras perspectivas epistemológicas sobre a percepção da realidade que poderiam ser mencionadas como formas de elucidar a noção existência e sentido, como o empirismo, racionalismo, teoria crítica, etc. 
 
    Eu me deparei parando pra pensar sobre isso... quero dizer, porque eu sempre penso a partir da noção de "sentido" para a vida (ou para outras coisas)? Todas essas ideias, o existencialismo de Sartre, o niilismo de Nietzsche ou o absurdismo de Camus, todas elas leem o mundo a partir da lente do "sentido". Ou existe sentido ou não existe sentido. Querendo ou não, ver o mundo a partir dessa lente sentimental/racional parece algo bem humanista. Pensando que humanos são seres naturalmente sociais, faz sentido que estruturemos nossa noção epistemológica a partir da necessidade da existência de sentido para as coisas ou a não existência de sentido para elas (racionalismo, empirismo e até o pensamento critico). É a ambivalência prescrita da humanidade como ser cultural, não é? É isso que eu pensei. Pelo menos histórica e biologicamente, é possível dizer que é natural querer dar sentido a tudo, ou não dar sentido (já que o não dar sentido já é um sentido em si mesmo).
 

    Bem, pensando melhor, parece inevitável não ver o mundo de forma sentimentalista (outra palavra para empírico) ou racionalista, já que é só a partir dos sentidos que podemos perceber e interagir com o mundo, nada mais lógico que essa fosse uma lente prescrita pela natureza. Agora, isso faz-me pensar, será que não existe alternativa a esse pensamento que sente, percebe e racionaliza? Existir sentido ou não existir sentido, é só isso? Penso, logo existo? Nossa existência é pautada pela produção e reprodução cultural, isto é, de sentidos símbolos e estruturas sociais e acabou?
 
    O que vem a seguir é um pensamento bastante pessoal meu, então não posso dizer que vale de algo elaborar a luz da ciência (talvez sim, talvez não, depende a quem perguntar, suponho...).
 
     Esses anos eu tive elaborando o pensamento sobre o que seria um "Estado de Escape", algo assim como um framework conceitual que tem a capacidade de explicar o processo de abstração da realidade e a criação de sentido que alguém tem em determinados momentos percebidos. Em outras palavras, ele tenta explicar os momentos e situações que levam uma pessoa a ter uma cisão subjetiva da percepção da realidade, por exemplo, o fato de eu conseguir estar imerso no texto que escrevo, ou estar imerso na musica que escuto, ao invés de experiênciar a percepção de existência do resto do meu corpo ou das cigarras que choram no pátio. A gente sempre estaria constantemente nesse estado de escape, fazendo cisões subjetivas para perceber realidades em todos os momentos, já que a consciência, ou o foco estaria em uma experiência só. É claro que é uma perspectiva um tanto falha a luz da noção de experiência, se você considera que somos seres multissensoriais e perceptivos e que eu posso sentir dor e prazer ao mesmo tempo, ou escutar as cigarras e a música ao mesmo tempo sem estar completamente imerso em nenhuma dessas experiências particularmente. A experiência de percepção humana não pode ser completamente explicada em um conceito, já que ela é muito complexa e interconectada. Entretanto, ainda acredito que o foco parece se estabelecer em apenas uma experiência, afinal somos apenas uma pessoa (ou organismo).
 
    Enfim, o ponto é que, talvez pensar uma forma de elaborar uma alternativa ao pensamento "sentimental" ou racional seja possível através do irracionalismo e do absolvição. Mas, pensar assim é bem anti-intuitivo né? Afinal, somos seres racionais e parece ser impossível se absolver (liberar) de sentir. Entretanto, se bem não parece ser possível se absolver, é possível sim, ser irracional. Os sentimentos, em si mesmos, são irracionais em certa medida. Então, a partir daí, já temos alguma base em onde começar para entender uma realidade que não imponha sentido ou falta de sentido. Eu acho que, novamente, pensar fenomenologia seja o caminho correto, já que é necessário fazer esse exercício de pensar a realidade como um fenômeno irracional e absolvido para poder desvendar a prisão do sentido/falta de sentido.

    Agora bem, qual seria a consequência de ver o mundo a partir dessa (a)lógica? Acho que o leitor e eu podemos pensar nisso a partir de uma analogia com o espelho. Isso mesmo, um espelho. Como sabemos, o espelho reflete o mundo quando os fótons de luz batem e voltam nele. Os fótons nunca entram no mundo invertido do espelho, porque é impossível, afinal a materialidade dele impede que isso seja possível; não "existe" um mundo do espelho, existe apenas a reflexão da realidade percebida. O mesmo é o caso com a ideia de sentido/não sentido, é impossível, fisicamente, pasar para seu lado contrário, o mundo invertido do espelho (irracionalismo e absolvição), mas nós, do lado de fora, podemos ver a imagem invertida do espelho e elaborar o mundo a partir dessa reflexão invertida, ainda que nunca possamos atravessar o espelho e "vivenciar" uma existência irracional e absolvida. É claro que nunca vamos poder "escapar" de verdade para um mundo com essa percepção, libertados do sentido e da falta de sentido, mas pelo menos podemos ter uma perspectiva de mundo libertada.
 
    As consequências de ver o mundo dessa maneira, me parece, poderiam se elaborar em que a experiência de vida e percepção e a consciência (o estado de escape incluído) são fenômenos incompreendidos e incompreensíveis, é mais, não é necessário elaborar esse
s fenômenos, mas sim experiencia-los de forma alógica (sem sentido e sem não sentido). O mundo do espelho, o mundo da irracionalidade absolvida, é um mundo de fantasia, assim como a experiência, o estado de escape e as próprias percepções que fazem os dois primeiros fenômenos possíveis.
 
    Agora, vamos olhar diretamente para o espelho, partindo completamente para uma narrativa de alogia do mundo. 
 
Eu pergunto ao leitor: você confia no que vê?
 
    O que garante realmente que o mundo seja racional ou perceptível? Você confia no seu cérebro e na química e física do mundo para saber e existir como coisa-no-mundo? Um mundo alogico é um mundo de certezas, ao contrário do mundo lógico, onde só existem incertezas. Na alogia a anomia é natureza. Agora, você pode dizer que sente, percebe e racionaliza, logo, como não poderia ser verdade? Afinal, o que importa é o que se vive agora, não? Mas, eu lhe pergunto, quem garante que o mundo que vivemos não seja o mundo do espelho? Existe forma de saber?

    Bem, como vimos, pensar de forma alógica não é muito útil, para além de criação de magias e mundos fantasiosos e verdadeiros. E de qualquer forma, isso não importa, porque realmente, nada importa num mundo alógico. Sem lógica não existe o sentido e vice-versa. O ponto de pensar um escape para o sentido talvez seja isso, buscar sentido na magia... 
 
    Pensando melhor, desenvolver uma teoria alógica e uma ideologia dos fenômenos talvez tenha potencial para revitalizar certas perspectivas sobre o tradicionalismo e as crenças no além e sua utilidade. Bem, pelo menos foi divertido pensar um pouco um escape do sentido. Né?
 
 

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